Introdução:No contexto de um infarto agudo do miocárdio (IAM), a circulação colateral coronariana (CCC) bem desenvolvida tem sido associada a um efeito protetor, limitando o tamanho do infarto, reduzindo a necessidade de assistência ventricular mecânica com balão intra-aórtico e mantendo uma melhor perfusão tecidual pela graduação do blush miocárdico. Relato de caso:Mulher, 68 anos, com história de hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus insulinodependente, dislipidemia, obesidade grau III e IAM prévio, foi admitida com quadro de dor precordial opressiva, náusea e sudorese com 9 horas de duração. Níveis pressóricos, ausculta cardíaca e pulmonar normais. Eletrocardiograma revelou supradesnivelamento do segmento ST em parede anterior, sendo submetida à trombólise e transferência para centro de cateterismo cardíaco. Evidenciou-se oclusão proximal de artéria coronária descendente anterior (ADA) e estenose proximal de 90% da artéria coronária direita (ACD), com circulação colateral intercoronariana bem desenvolvida (classificação de Reentrop 3) através do ramo do cone da ACD, dos ramos septais e pelo ápice do ventrículo esquerdo (figura 1). Após tentativa sem sucesso de angioplastia de ADA, foi abordada a ACD com 3 stents convencionais, com sucesso. Ecocardiograma mostrou fração de ejeção de 50%, acinesia apical e hipocinesia anterior média. Durante internação, iniciado medidas para síndrome coronariana aguda e controle dos fatores de risco, recebendo alta hospitalar sem intercorrências, em acompanhamento ambulatorial regular de 6 meses assintomática. Discussão:Raymond Vieussens foi um médico anatomista francês do século XVII famoso por suas descobertas da anatomia do sistema nervoso central e cardiovascular. O epônimo “anel de Vieussens” refere-se a uma via colateral coronária que fornece fluxo entre a ADA e a ACD, por meio do ramo do cone. É visto em aproximadamente 20% dos pacientes com oclusão total da descendente anterior. O recrutamento de vasos colaterais em resposta a isquemia crônica, mediado por fatores de crescimento endoteliais, estresse de cisalhamento do fluxo sanguíneo, modulação inflamatória e arteriogênese, é uma medida adaptativa para preservação da função miocárdica. Além do anel de Vieussens, o caso se destaca pela presença de múltipla e bem desenvolvida CCC entre duas principais artérias coronarianas, fato que possibilitou uma evolução clínica favorável.
Figura 1: Cineangiocoronariografia em projeção oblíqua anterior direita mostrando extensa circulação colateral coronariana entre ACD e ADA via ramos do cone, septais e apicais.